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O As Carolinas ouviu a sexóloga Virginia Gaia que explicou sobre os tabus existentes quando o assunto é a sexualidade da mulher


Celebrado em 31 de julho, o Dia Mundial do Orgasmo foi criado em 1999 por um grupo de empresários ingleses no ramo de sex-shop com o intuito de alavancar suas vendas e também alertar sobre a anorgasmia, nome dado à disfunção sexual que ocorre quando uma pessoa tem dificuldade de atingir o ponto máximo do prazer. Uma das pesquisas mais conhecidas sobre a sexualidade feminina, liderada por universidades americanas, aponta que 70% das mulheres têm algum grau de dificuldade para chegar no orgasmo. No Brasil, o último estudo sobre o tema foi realizado pela Prosex (Projeto Sexualidade) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), que concluiu que, 40%, das brasileiras nunca chegaram ao clímax durante a relação sexual.


O As Carolinas aproveitou a data para falar sobre o tema que ainda é considerado tabu na sociedade. Em entrevista ao site, a sexóloga Virginia Gaia conta sobre a importância de tratar o assunto com naturalidade e dá dicas de como as mulheres podem conhecer o potencial orgástico do próprio corpo.


Por que falar sobre a sexualidade feminina ainda é um tabu?

 

Resposta: A sexualidade como um todo é ainda é muito mal compreendida. E, quando se trata de algo ligado à sexualidade feminina, isso ainda é mais marcante por questões sociais históricas de repressão à mulher e ao feminino como forma de controle.

 

Sabemos que muitas mulheres têm dificuldades para chegar na hora H. Existe uma causa para isso?

 

Resposta: A maior parte das disfunções sexuais, isso inclui a anorgasmia, tem origem psicogênicas, distúrbio de origem psíquica, sem causas orgânicas, e com as mulheres isso fica muito mais presente por todas as questões sociais. Ela fica muito mais preocupada: primeiro em agradar o parceiro, segundo em passar uma imagem social do que esperam dela. E outras séries de questões e pressões estéticas, comportamentais que fazem com que, a maior parte delas, tenha dificuldade em chegar lá. Existe anorgasmia entre os homens também, mas entre as mulheres este número é bem maior.


Por que algumas mulheres sentem vergonha em falar sobre isso com seus parceiros (as)? 


Resposta: Agradar o parceiro (a) ainda é uma coisa importante. As mulheres enxergam, não todas, o sexo como uma forma de ter ou manter uma relação. Infelizmente ainda é presente aquela frase que diz que as mulheres fazem sexo para obter o amor e os homens falam em amor para obter sexo. Apesar de já existir discussão sobre isso e dos grandes avanços do movimento feminista, ainda existe esse padrão social. Isso faz com que as mulheres tenham maior dificuldades em não só conversar com o parceiro, mas especialmente em buscar ajuda e de identificar quando há um problema. 


Acredita que este receio em conversar esteja relacionado ao tabu mencionado na primeira pergunta?


Resposta: Sim e não. Às vezes a mulher não consegue falar com o parceiro por não identificar o problema. Ela não consegue perceber o que é o sexo de qualidade e acha  que não precisa conversar sobre isso. Algumas atribuem outras questões para justificar a qualidade do relacionamento colocando o sexo em segundo plano sem dar muita importância. A questão de conversar com o parceiro e tomar uma atitude ainda é um tabu, e muitas delas prolongam uma relação assim, sem dialogar sobre isso.  


E como iniciar essa conversa com o parceiro (a)?


Resposta: O ideal é que este diálogo exista desde o início da relação. Fica muito mais fácil uma relação que já nasce com essa abertura. Quando isso não existe, é importante que a mulher tente conversar de uma maneira mais natural. É comum ouvir pessoas falando sobre sexo com os amigos, mas ainda há muita dificuldade de falar sobre sexo com quem é mais importante, os parceiros (as). O ideal é que essa conversa surja em um  momento de tranquilidade e não em um momento de briga e discussão. Quanto mais naturalidade, melhor. E se estiver com dificuldade em abordar este assunto, o ideal é pedir auxílio profissional. Um terapeuta está apto para entrar no universo do relacionamento e aconselhar sobre a melhor maneira de você iniciar a conversa com seu ou sua parceira. 


As mulheres buscam mais ajuda de um profissional se comparado aos homens?


Resposta: Elas buscam mais ajudas por achar que essa responsabilidade é só delas. Muitas vezes se sentem culpadas como se estivessem devendo algo para o parceiro. Essa responsabilidade tem que ser compartilhada, pois existem disfunções sexuais que o problema está no homem.


Por que no imaginário da sociedade, somente os homens devem ter total prazer?

 

Resposta: São séculos de repressão da sexualidade feminina e isso causa grande diferença social quando se trata e fala de sexo para homens e mulheres. Na  verdade, essa questão, está associada ao controle social da mulher. Controlar a sexualidade feminina é controlar o papel da mulher na sociedade. O movimento feminista já conseguiu quebrar muitas barreiras, mas ainda tem muita coisa pela frente. Estamos no meio desse processo histórico de emancipação feminina. Não é uma realidade 100%, basta ver as outras esferas da sociedade, mas ao que tange a sexualidade, eu diria que  o padrão social ainda interfere na sexualidade da mulher. A lição de casa que deixo às leitoras dos As Carolinas é: se torne mais autônoma do próprio prazer, no sentido de se conhecer e experimentar diferentes nuances da sexualidade. Ter mais autonomia sobre o próprio corpo e sobre a sua sexualidade. Dizer sim e dizer não. Dizer sim quando quiser experimentar, sem medo de julgamento e dizer não, sem ter medo de afetar o parceiro e também dizer não para fazer alguma coisa que não esteja com vontade ou que não gosta e não se sente bem.

 

É imposto que somente as mulheres tenham que estimular o parceiro a ter prazer, existe alguma dica para os homens também fazer a sua parceira atingir o orgasmo?

 

Resposta: Os homens tem que sair dessa condição que colocaram para eles de macho Alfa, super poderosos autônomos, perfeitos, inclusive em relação a sexualidade. Existe toda uma pressão masculina de que o homem tem que saber tudo, de que ele tem que ser o "bonzão" o "gostosão" e não podem mostrar fraqueza, isso acaba sendo um problema não só para as mulheres como para os homens também. Eles devem tirar esse peso das costas em relação à sexualidade e lembrar que não são obrigados a saber tudo. E que podem  pedir ajuda quando não souberem, podem pesquisar, buscar informações e etc.  Ele não só pode como deve ouvir a parceira para entendê-la.  Acho que a melhor coisa quando a gente está falando de sexo, heteros sexual, por exemplo, é entender que os dois devem chegar para o sexo em pé de igualdade. Os dois estão ali, se explorando, buscando uma experiência prazerosa e ambos têm a liberdade para falarem o que querem, o que não querem, colocar limites e procurar explorar coisas novas. Evoluímos muito, mas ainda existe um longo caminho para estabelecer uma relação de igualdade no campo sexual entre homens e mulheres, quebrando tabus e padrões sexuais que a gente vem alimentando há tempos. Se for o caso, busque ajuda, seja no campo relacional ou sexual ou ambas, pois uma influencia a outra.

 

A idade influencia?

 

Resposta: Algumas pessoas acreditam que a vida sexual das mulheres acaba depois da menopausa, o que não é uma verdade. Há mulheres que passam a ter  uma vida sexual até melhor nessa fase. Depende muito de como ela encara o próprio corpo, claro que existem mudanças hormonais, como a lubrificação vaginal que é bastante importante para o ato sexual, que diminui com o tempo, mas que pode ser tratada. Existem hidratantes vaginais que podem ser prescritos pelo ginecologistas e lubrificantes que podem  ser comprados em farmácias ou sex-shops. Já com relação à capacidade orgástica, considerando esses pequenos ajustes, a sexualidade muda um pouco, não necessariamente vai significar uma perda de prazer, um decréscimo ou uma piora. Já no ponto de vista comportamental é fundamental desconstruir do imaginário de que a vida sexual será ruim ou que a mulher madura não pode ter uma vida sexual ativa, além disso, não ligar para questões estéticas de que a gente tem que estar com tudo em cima quando isso não vai influenciar em nada.

  

A musculação íntima pode ajudar a chegar no ponto alto do prazer?

 

Resposta: Uma vez que você tem uma musculatura melhor trabalhada, você tem maior fluxo sanguíneo naquela região e maior tônus muscular. Isso aumenta a sensação e melhora o prazer durante o orgasmo. É uma técnica muito antiga que traz muitos benefícios e sim, ajuda a tratar disfunções sexuais dentre elas anorgasmia.

 

A posição pode influenciar?

 

Resposta: Pode influenciar e por isso é bom testar várias posições, porém não existe um padrão, pois varia bastante de mulher para mulher. Geralmente as posições em que estimulam o clitóris costumam funcionar melhor. Também vai depender da preferência dela, da forma como é estimulada e etc.

 

Há dicas para ajudar as mulheres a chegarem no clímax?

 

Resposta: Essas dicas não são padronizadas, pois cada corpo é um corpo. Mas a primeira coisa é: se conheça. Temos dificuldade de nos conhecer até pelo ponto de vista anatômico, por uma limitação física mesmo, mas é fundamental conhecer o próprio corpo. A primeira dica básica é pegar um espelhinho e se ver, além disso, buscar diferentes estímulos e quebrar o tabu da masturbação feminina. Se permita a experimentar coisas diferentes, estimular a mente e  o cérebro. O maior órgão sexual humano ainda é o cérebro, por isso, pense mais sobre sexo sem medo ou pudor, tenha contato com coisas que te estimulem. Fantasiar também é um elemento muito importante, mas por questões sociais as mulheres acabam fantasiando muito pouco e, por incrível que pareça, pode fazer diferença


Virginia Gaia é educadora sexual pela ABEME (Associação Brasileira das Empresas do Mercado Erótico e Sensual). Site: www.virginiagaia.com.br


Daiane Amaral